domingo, 23 de novembro de 2014

SEM FIM.

Antonio mentiu uma vez; depois mais uma... e logo, como no jogo da eletricidade, uma mentira chamou, precisou de outra, e mais outra... e muitas outras!
Primeiro foi sobre a família - tudo tranquilo, pensou. Logo alguém perguntou pelo pai, local de nascimento, essas coisas de papo-furado... e Antonio inventava uma vírgula, um ponto... e como "curiosidade é uma pessoa de mil palavras e ideias", pergunta puxava pergunta, emendava em história, que emendava em história... e os degraus que levam até o fundo das mentiras foram aumentando... e adentraram o escuro, o negrume de tudo que é demais! Logo, Antonio não tinha "um ponto e uma vírgula", mais um texto completo.
Depois, das perguntas e respectivas mentiras sobre a família, a curiosidade foi tocar, com seus dedos longos e agéis, a profissão, os estudos... e Antonio, envolvido pelo aconchego das mentiras "perfeitas", arriscou um pouco... e depois um pouco mais, mais, mais... até que encostou num muro alto - um obstáculo que não dá para contornar ou pular... um local-momento que todos que mentem (inventam) conhecem, mais cedo ou mais tarde... e apesar de não ter um nome, esse muro pode ser descrito como o "o medo da palavra e o silêncio como refúgio".
Antonio, agora "conhecido", descolado e íntimo de muitos, sentiu que havia encostado no "muro" e, nas conversas mais simples, se sentia acuado, perseguido pelas mentiras, que de mãos dadas, sempre se colocavam à frente dele, sozinho ou na presença de qualquer outra pessoa.
Em alguns momento, em conversas bobas começou a ter rápidas visões, que atribuía ao medo de ser descoberto - ouvia, em pequenos flashes, as mentiras que havia inventado e contado... como se cada uma, a seu tempo, dissesse "Presente! Eu estou aqui!"
Cada vez mais preocupado em perder a posição que alcançara aqui e ali, e sem ter outro recurso, Antonio foi se tornando introspectivo... falava cada vez menos; até em conversas de nada-a-dizer, evitava falar... evitava se contradizer... Chegou ao ponto de ter medo, grande medo, de perguntas e das pessoas que as faziam.
Sem dar satisfação, sumiu de lugares que sempre frequentou; evitava parar nos barzinhos para um copo de cerveja; não atendia telefonemas, mudou itinerários... e assim viveu por meses, cinco, seis... talvez. Até que recebeu uma notícia ruim - uma de suas amigas havia falecido, e o enterro seria no final da tarde. Vestiu-se com uma boa roupa, escolhida "a dedo", como se diz, e faltando meia hora para o fechamento do caixão, Antonio chegou na capela; entrou em silêncio; foi notado por todos; chorou com verdadeira emoção (em silêncio fez uma rápida oração e até pediu desculpas à amiga... "por tudo").

Ao se afastar do caixão, encostou numa parede, sempre em silêncio, mas logo foi recebendo os cumprimentos de um, dois, três amigos... logo estava envolvido (e participando) de um pequeno grupo de amigos, que perguntavam por onde ele tinha andado... "quanto sumiço", dizia um... e Antonio, sentindo uma mistura de medo e excitação, mesmo tendo prometido à imagem do espelho de casa, respondeu: "Europa! Duas ou três viagens rápidas!" ...

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