sábado, 4 de agosto de 2018

BOM DIA


Marcelo, levanta. Olha a hora... Vai perder a hora.
Que dia é hoje?
Marcelo... Você sabe que é terça; você sabe que tem escola daqui a uma hora... Anda, levanta!
Mãe!?
Fala, menino... Mas sai desta cama, anda!
Mãe, eu não perdi nada... Eu não perdi hora nenhuma!
Levanta! Um... dois...
Espera mãe. Estou me espreguiçando (aaaaa)...
Marcelo, não vou falar mais... AGORA!
Tá mãe. Tá... Já estou levantando...
Menino, eu vou contar de novo até três; depois é água fria na cara. Você sabe que eu sou louca...
(Silêncio)
Marcelo!? Marceloooo... levanta, agora.
(Silêncio)
A... é? Tá bom.
(Som de água caindo no balde)
Já levantei, mãe. Já tô de pé!
Tá bom meu filho. Vai logo pro banho.
Banho, mãe?? A não...
Tem certeza, Marcelo?
Já tô indo... Já tô indo...

(Plínio Silveira, 31/07/2018)

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

AMAR-SE.

Por algum tempo eu não entendi o motivo da separação daquele casal.
Achei que ela tinha se apaixonado por outra pessoa.
Conversei com ele meia hora e descobri... ela não se apaixonou por outro... ela (apenas) descobriu que se ama!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

ONTEM E HOJE.


Cresceu como a maioria das crianças, acreditando que estava seguro e que o futuro seria uma casa confortável com carro na garagem.

Após trinta e dois anos, ao se ver no vidro de uma propaganda (de prêmios milionários) numa parada de ônibus, se deu conta que o presente não lembrava, nem de longe, aquele futuro tão tranquilo e feliz.

O que via refletido, misturado à imagem de um artista e prêmios maravilhosos, era uma sombra triste e pequena do homem que sonhara ser.

Riu, sozinho, daquele menino despreocupado e sonhador. Baixou os olhos... e quando olhou de novo para o homem entre os prêmios sorriu.

(Plínio Silveira, 06/12/2017)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

HOMEM NÃO CHORA.

Sempre disseram para José que "meninos não choram", que "se apanhar na rua, também ia apanhar em casa"... essas coisas que uns dizem brincando e outros dizem sério. 
Ser forte, suportar todo tipo de pressão sem reclamar, manipular as mulheres e os mais fracos... também foram habilidades esperadas, ensinadas e cobradas. 
José aprendeu muitas dessas coisas; mesmo quando não sentiu necessidade, mostrou sua força - humilhando, machucando... mas, acima de tudo, sentindo orgulho. E no jogo da vida, soube, como outros adultos, cobrar dos meninos seus papéis, inclusive com mais força do que foi cobrado.
Mesmo acreditando que muitas coisas poderiam ser diferentes, José sentia orgulho por não desapontar ao pai, mãe, tios, primos... todos que fizeram dele um homem com "h"!
José sentia, sofria, mas não chorava.


(Plínio Silveira - 01/10/2016)

DE SORRISOS E MALDADES.

Joana acreditava no sorriso de Maria.
Maria sorria, sorria.
Maria ajudava, juntava...
Maria sorria, sorria...
Joana acreditava.
mas Maria enganava.
A inocência de Joana
alimentava a maldade de Maria.
Joana agradecia e acreditava...
... e Maria sorria e enganava.
(Plínio Silveira – 02 de outubro de 2016)

A VIDA.

O dia amanheceu sem muitos sons; podia se ouvir o canto de alguns pássaros e, ao longe, o som ritmado do trem, que passava a cada meia hora.
Pela janela dona Augusta via o vai e vem de borboletas amarelas e umas poucas marrons. O dia estava claro.
Dona Augusta bebericava um café, preparado à moda antiga - no coador de pano. E enquanto bebia o café, pensava na vida... como, realmente, estaríam os filhos, que há sete anos moravam no estrangeiro - afinal, "telefonema não é ver ali, frente-a-frente"; nesses momentoe pensava, também, em Afonso, o ex-marido, que se mudara para a cidade vizinha, e tinha horror a telefones, tecnologias e, muito menos, virtualidades - dona Augusta sempre disse que "era mais difícil saber da vida do Afonso do quê de uma freira enclausurada...", riu do pensamento, mas era verdade. Mas logo chegaria o natal e ela saberia do ex-marido, pois ele sempre vinha visitá-la no dia 24 ou 25, e traria, como nos últimos anos, pães, que ele mesmo fazia.
O copo de café estava vazio; dona Augusta, pensando-em-tudo-sem-pensar-muito, colocou mais dois-dedos de café no copo, e retomou o olhar para o quintal, acompanhou as borboletas e um colibri, que fuçava as flores... e pensou (mais dois-dedos de pensamento): "É... isso é a vida."
(Plínio Marcelo Decaro Silveira - 13/10/2016)

FATO! VERDADE-VERDADEIRA!

Esperando para entrar na sessão de um filme, sento em uma mesa coletiva e, inevitavelmente, ouço parte de uma conversa:
Ele - Eu sou assim, ligado em corpo... malho e tal! Prefiro comer chocolate a fumar.
Ela - Eu sou alérgica a chocolate.
Ele - Pô... então você curte amendoim?
Ela - Não! Por quê?
Ele - Pô... quem tem intolerância a chocolate geralmente gosta de comer amendoim.
Ela - Não. Uma vez eu comi doce de leite e meu corpo reagiu...
Ele - Alergia assim na garganta? Nas pernas?
Ela - Não! Foi assim tipo "rotavírus"!
Ele - Rotavírus?
- - - 
Ele espantado com a última resposta; eu assustado com toda a conversa!

AINDA... E SEMPRE.

Tantos dias nos separam
Incontáveis beijos e abraços (ainda) nos unem
- em algum lugar, secreto, ainda estamos juntos, falando e rindo do mundo
Ainda estamos felizes e perdidos nas horas – esquecidos de lembrar
Minhas mãos ainda estão sobre as suas
Seus olhos ainda sorriem para mim – as palavras que dissemos, também sorriem
Nossos sonhos não morrem, não cansam, não desistem... e apesar de toda distância – eles ainda conversam, conspiram, nos abraçam...

Eu ainda estou com o nosso amor nos braços
Ainda gosto dele
Todos os dias acaricio e alimento,
com beijos silenciosos e promessas sem palavras

Um dia... todo os beijos e abraços, todos os carinhos e promessas estarão aos nossos pés
E poderemos olhar cada um, pegar nas mãos, junta-los, acariciar cada um, sem medo, sem reservas, sem futuros...
Um dia tudo o que importará é ter sentido... e ter vivido tudo com intensidade...

Então será o melhor – será o ‘amor’...

(Plínio Silveira – 27 de outubro de 2016)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

REENCONTRO.

Depois de muitos anos Nica voltou à antiga casa, onde nasceu-e-cresceu, e o que viu era muito familiar - solidão, solidão e solidão. Nica sorriu, apenas sorriu. 

(Plínio Silveira - microconto - 31 de janeiro de 2016).

DIAS.

Os dias contam histórias

as histórias falam de amores
de saudades, dores... de chegadas e partidas...
falam de mãos dadas,
de beijos, abraços e distâncias

os dias falam com a gente
ensinam... 
criam e citam versos, ditados,
criam e cantam músicas...
criam e contam segredos e desvendam mistérios...
e, apesar de tudo, parecem estar sempre em silêncio.

Os dias são sábios-calados.
(Plínio Silveira - 23 de janeiro de 2016).

POR AMOR.

Meu pai sempre disse que "o amor justifica tudo!" Então matei. . Matei por amor; também por ciumes... Agora, tudo que tanto amo morreu.

(Plínio Silveira - microconto - 13/01/2016).

VOO 1552.

O céu e o mar se confundem ao longe, no horizonte. 

Estou tão alto, que as nuvens que costumeiramente ficam no céu estão no (meu) chão... 
E tão perto de Deus (afinal a casa de Deus é no céu, certo?), que eu cogito reeditar a ideia da arte de Michelangelo - esticar o dedo indicador e tocar no santo dedo de Deus. Ah... isso são coisas que a cabeça inventa em horas de voo... E enquanto eu quero tocar o dedo de Deus, a maioria dos passageiros dormem, ou tiram um cochilo, embalados pelo som (quase) constante das turbinas do avião.
Pensando bem, acho que na atual conjuntura (e com a comissária de bordo avisando que o 'lanche' será servido - aqui a 10.000 pés do chão chamam amendoim com guaraná de 'lanche'), que o mais próximo de tocar um dedo não-humano seria o do estranho (antigo, mas simpático) ET (o extraterrestre).
E como dizia o simpático olhudo extraterrestre: “E.T., telefone, minha casa.”

domingo, 20 de dezembro de 2015

PREFERÊNCIA.


Gustavo entrou na portaria do prédio e já começou a olhar para um lado, para o outro... logo viu os dois porteiros do primeiro turno estavam recebendo as correspondências; com eles o carteiro... pensou: "Não!" 
Avançou pelo corredor de elevadores, e lá estava seu Nelson (o responsável pela faxina), organizando e orientando um jovem auxiliar - Gustavo mexeu negativamente a cabeça ("Não!").
Entrou no primeiro elevador que viu - de andares pares - ninguém! Gustavo pensa: "Tem alguma coisa errada!?!?"
No sexto andar entram dois estagiários; Gustavo baixa a cabeça e pensa ("Não. Não mesmo!").
Sai do elevador no oitavo e encontra seu Braga - o funcionário mais antigo da empresa; caminha rápido até a entrada do andar, entra no corredor de mesas, computadores... e na área de água-e-café encontra José, Lúcio e Alberto; os três sorriem, brincam com Gustavo e oferecem café e biscoito; mais uma vez a resposta (em silêncio): "Não! Não! Não!
Gustavo acha estranho o sorriso de Lúcio e comenta em pensamento: "Nossa. Um sorriso malicioso... oferecido..."
Gustavo decepcionado, parou perto das janelas, meteu a mão no bolso e tirou uma folha de jornal; desdobrou o papel, conferiu a data ("É de hoje mesmo!"); e leu novamente (para ver se não tinha entendido mal). No seu signo estava escrito: Dia de lua cheia em lihra. Aproveite agora, o amor está no ar! Nova relação a vista."
Gustavo dobra a folha de jornal, olha para o reflexo na janela, ajeita a gravata... e, pensativo, se pergunta: "Será? Lúcio??" Balança a cabeça e fala baixinho: "Preferia o José!"

(27 de outubro de 2015).

COM PRESSA, TODA PORTA É AZUL.

Faltavam alguns quilômetros para o aeroporto.
Trânsito lento. 
Irmão chegando em 30 minutos. 
Eu sentindo que alguma coisa não estava bem.
Dor de barriga; dor na barriga.
Suor; nervoso; trânsito lento...
Entrei no aeroporto "voando";
Banheiro: "A jato".
Li no painel: Aeronave pousada.
Andei depressa; entrei no banheiro.
Alívio "imediato".
Ouço dois homens conversando.
Pouco importa o que dizem...
De repente uma voz nervosa de mulher:
"Senhores aqui é o banheiro feminino!"
Cinco segundos de silêncio.
Eu nervoso, pensei: "Danou-se! Problema... Vou ficar calado e só saio daqui no final da obra!"
Os homens responderam: "A senhora está enganada!"
Ela se desculpou; riu...
Silêncio.
Logo os homens riram e disseram: "Louca!"
Eu ri mais ainda.. de nervoso.
O telefone avisou: mensagem.
Li: "Cadê você. Já desembarquei.
Ri (de nervoso) sozinho.
Respondi: "Chego em 1 minuto."


(Plínio Silveira - 03/11/2015).

TRINTA E DOIS ANOS EM UMA MALA AZUL.


Nada tinha mudado na vida de Manoel, nem os móveis do pequeno quarto. 
Ali estavam a cama, a pequena mesa com a luminária e o quarda-roupas de duas portas. 
Pela janela, sempre entreaberta, entrava um pouco de luz e o som do canto de pássaros.
Foi dessa janela que Manoel viu os últimos trinta e dois anos passarem ("Os dias, meses, anos... voaram!", pensou).
Manoel sentou na beira da cama, ajeitou o travesseiro e a coberta, como quem ajeita a roupa de uma criança para sair. Olha o quarto mais uma vez, mais devagar e pensa: "Minha casa!"; os olhos enchem de lágrimas. Levanta, sem fazer barulho, vai até o guarda-roupas, abre a porta e pega uma mala nova, azul. Olha para a mala e balança a cabeça ("Que cor medonha!"); anda devagar até a porta, carregando a mala azul-medonha e, antes de sair, acena para a cama, a mesa, o guarda-roupas e para a janela. Num movimento de extrema saudade, leva a mão à boca e lança um beijo para 'todos' (tão amigos, íntimos...).
Desce devagar as escadas e encontra a filha, Judite, que arruma a camisa do pai e fala sem parar: "Que linda a sua nova mala!"
Manoel não tem coragem, na verdade não tem ânimo para nada, muito menos para falar a verdade. 
Judite olha para o pai e continua: "Pai, não fica assim! O senhor vai morar com Silvio! A casa dele é maior... seu quarto novo é lindo! Eu já vi as fotos pela Internet. E no natal nós vamos para lá! Vai... pai! Melhora essa cara! Anda! Vamos que o vôo sai em uma hora!".

(06 DE SETEMBRO DE 2015)