Miguel saiu da casa sem olhar para trás; o fogo do desprezo e desespero consumiu tudo... na casa não havia sobrado nada!
Confuso, andou pela rua, na direção da avenida principal; parou numa esquina e olhou sua imagem na janela de um carro e pensou sobre o que estava levando da casa destruída... e, mesmo confuso, tentou listar: a roupa do corpo... uma pequena bolsa de couro com dois ou três documentos, um cartão de banco, algumas peças de roupas... amassadas e uma foto.
Na avenida principal sentiu sede, dor na cabeça e uma vontade profunda de chorar; sentou no meio-fio, sem se incomodar com os carros, que passavam a meio metro (ou menos) de suas pernas - "Problema!", falou baixo, desgostoso, triste... arrastando a voz junto com a bolsa de couro pelo chão da rua. "Tomara que um dos carros me pegue e me arraste... e acabe com isso tudo!" Não conseguiu mais continuar falando... chorou! Chorou copiosamente; babou ao tentar falar as palavras... palavras amaldiçoando aquele dia, o amor, a confiança... uma vida de dedicação! Limpou a baba com as costas da mão... a baba e as lágrimas. Puxou a bolsa para perto de si; colocou a mão dentro dela e procurou a foto... tateou um pouco e conseguiu encontrar; trouxe a foto até próximo dos olhos - o choro aumentou! - beijou a imagem em branco, preto e cinza... o papel molhou com as lágrimas, a saliva e o suor. A voz rouca, por causa do choro, chamou pelo nome da pessoa amada... chamou alto duas vezes (quase uma súplica!); chamou mais uma vez, agora mais baixo e a partir de então o nome amado, odiado, separado, distanciado, amargo, desejado por tantas vezes foi sendo repetido, até que se transformou em uma mistura de choro, soluços e palavras mal ditas. Foram tantas e todas tão fortes, que Miguel acabou perdendo as forças e adormeceu ali mesmo, sentado no meio-fio... tronco e cabeça na calçada e parte das pernas na rua, desafiando o vai e vem dos carros.
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