Zélia
estava sentada no banco do bar; pediu, de costume, um café “pingado”
e um pão-na-chapa, seu desdejum cotidiano.
Enquanto
olha a televisão, distraída pelas imagens, pensa nas duas noites
anteriores e sente, sem querer sentir, um incômodo, como se a alma
estivesse com o gosto da boca pela manhã – amarga e indecifrável.
Tenta
retomar a concentração no café com pão; usa a colherzinha pela
quinta (ou sexta) vez, (re)mexendo, misturando café, leite, açúcar,
lembranças e muitos “se”... novamente está distraída, tomada
completamente pelas lembranças: as palavras mais fortes, os gestos
bruscos, os movimentos dos corpos, a desilusão somada à tristeza...
E a mão direita, em obediência à repetição impensada, continua
mexendo e misturando tudo.
Retoma
novamente a concentração; morde o pão duas vezes, bebe o pouco
café com leite em um gole (quente!), paga e sai do bar, ganhando a
rua; vai para o escritório; agora são os carros, ônibus... e
pessoas que a distraem; caminha, mas o pensamento continua sendo
misturado, mexido pela pequena colher, em movimentos circulares... e
a alma, ainda com aquele gosto ruim.
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