quarta-feira, 4 de setembro de 2013

"PINGADO".

Zélia estava sentada no banco do bar; pediu, de costume, um café “pingado” e um pão-na-chapa, seu desdejum cotidiano.
Enquanto olha a televisão, distraída pelas imagens, pensa nas duas noites anteriores e sente, sem querer sentir, um incômodo, como se a alma estivesse com o gosto da boca pela manhã – amarga e indecifrável.
Tenta retomar a concentração no café com pão; usa a colherzinha pela quinta (ou sexta) vez, (re)mexendo, misturando café, leite, açúcar, lembranças e muitos “se”... novamente está distraída, tomada completamente pelas lembranças: as palavras mais fortes, os gestos bruscos, os movimentos dos corpos, a desilusão somada à tristeza... E a mão direita, em obediência à repetição impensada, continua mexendo e misturando tudo.
Retoma novamente a concentração; morde o pão duas vezes, bebe o pouco café com leite em um gole (quente!), paga e sai do bar, ganhando a rua; vai para o escritório; agora são os carros, ônibus... e pessoas que a distraem; caminha, mas o pensamento continua sendo misturado, mexido pela pequena colher, em movimentos circulares... e a alma, ainda com aquele gosto ruim.

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