Eulália morava sozinha há vinte e cinco anos, desde que seu esposo, Natal, morreu, três meses após o casamento. Sobre o casório e o falecido marido, ela sempre dizia: "O melhor marido, o melhor casamento que alguém já pode ter vivido!", e sem demora completava: "Pena que durou tão pouco... pouco demais...!"
Na pequena casa do bairro de classe média, aquela senhora, viúva e solitária, tinha uma mania: cozinhava todos os dias dois tipos de pratos e um doce; para justificar isso, Eulália dizia para as vizinhas e parentes mais próximos que "estava esperando uma visita... que essa pessoa chegaria sem avisar!"
Todos os dias, com sol ou chuva, com boas ou más notícias, às seis e meia da manhã lá estava Eulália na cozinha, com seu avental, preparando as panelas, os alimentos e utensílios para realizar sua imutável tarefa - cozinhar para uma visita que chegaria a qualquer momento, mas que nunca chegava.
Algumas vizinhas comentavam que Eulália estava senil, mal-das-ideias... e quando os parentes vinham visitá-la, cercavam-nos na calçada e tocavam a encher-os-ouvidos deles de histórias e opiniões, a maioria inventadas e descabidas. Diziam que Eulália "andava a noite pelo quintal, com poucas roupas - quase nua!; que subia no telhadinho da casinha do gás e rezava até altas horas; que gritava nomes estranhos..." e, para não perderem a oportunidade, opinavam: "é caso de internação; eu conheço um bom médico, caro, mas bom...; coitada, é a solidão, se ela arrumasse um companheiro...". E, no meio dessa balbúrdia toda, um vizinho aposentado fez uma pergunta: "E o que ela faz com toda aquela comida todos os dias?" - ninguém sabia responder.
Invariavelmente os parentes entravam depressa na casa de Eulália, agradecendo, mas horrorizados pelos comentários e invenções dos vizinhos.Visitavam-na e saíam certos de que tudo o que os vizinhos falavam eram histórias inventadas, a não ser a mania de fazer tipos diferentes de comidas todos os dias, mas, sobre isso, todos os parentes ouviam a irmã mais velha da Eulália, que sempre dizia: "Deixa ela em paz, afinal, quem não tem suas manias? Dos males o menor, ela não faz mal a ninguém com suas comidas... que, além do mais, são muito gostosas!"
Os dias passaram e os vizinhos foram se ocupando de falar e inventar histórias sobre outras pessoas do bairro: o bêbado, a mulher descasada, a estranha riqueza de um homem que morava no final da rua um... e a vida caminhava sem grandes atropelos.
Numa manhã de quinta-feira de céu azul e muito canto e voo-agitado de pássaros, a má notícia correu de boca em boca, de telefone em telefone: Eulália tinha morrido há poucas horas, logo que terminara de fazer as comidas e o doce. Os vizinhos constrangidos e tão-mais curiosos chegavam até o portão da casa e pediam a um ou outro parente informações - os parentes respondiam e as pessoas apresentavam seus pêsames.
E assim o dia foi passando, passando... até que o relógio da cozinha "bateu" meio-dia; os parentes não estranharam aquele "chamado" e continuaram com suas tarefas na casa, que agora não tinha mais sua dona. Meio-dia e meia o telefone toca; um sobrinho atende e houve uma pergunta, direta: "Dona Eulália, posso passar com o carro e pegar a comida agora?" O sobrinho não entendeu e pediu explicações; o homem, na outra ponta da linha explicou; o sobrinho respondeu: "Pode vir, sim!" e desligou. Olhou para os parentes e esclareceu: "Tia Eulália fazia essas comidas todos os dias para um pequeno orfanato, de um bairro vizinho! Ela alimentava doze meninos órfãos." A revelação emocionou e calou os parentes, que ficaram esperando o homem que viria buscar as comidas e o doce.
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