Amélia cresceu entre as portas estreitas e ruas sem calçamento da favela.
Correu pelos becos, descalça, pegando pipa e fugindo nos piques de polícia-e-ladrão.
Algumas vezes as pessoas mais velhas olhavam para ela e tinham dúvida se era menina ou menino.
Amélia era um tipo de criança que só conhecia a alegria, e desconhecia horários, regras e ordens de adultos, pois seus pais trabalhavam e ela passava os dias com seus dois irmãos - Pedro e Marcelo.
Quando seus pais estavam em casa era tudo diferente - Amélia tinha horários, lavava as mãos para as refeições e tinha os cabelos presos e arrumados, portanto, eram os piores momentos da sua infância, uma verdadeira prisão, com todas as regras, 'nãos' e 'vou-ver' que pudessem existir.
Muitos vizinhos, que se acostumaram com as idas-e-vindas de Amélia nos becos, nas ruas estreitas e campinhos de futebol, acreditavam que aquela menina 'era um caso perdido', que menina largada que só via os pais nos finais de semana 'não poderia dar boa coisa'.
Amélia cresceu, como todas as crianças: escola, deveres, pipas, piões e bola de gude... Riu de brincadeiras sem graça, com graça e chorou de amor, de saudade e de raiva... Foi dançar em baile com amigos e amigas: viu as drogas, as bebidas alcoólicas e algumas mortes por overdose e 'participação no tráfico'... Cresceu e foi estudando - a menina (que muitos não sabiam se era menino ou menina) concluiu o ensino médio, entrou para a faculdade pública... estudou noites inteiras, pois tinha discutido política e jogado conversa fora a manhã e tarde toda... e, assim, concluiu a faculdade, com excelente desempenho.
E hoje quando olha para trás, Amélia, uma executiva do governo federal, lembra de tudo com muita saudade e conta detalhes curiosos de toda a sua vida... e se emociona e deixa uma frase no ar: "- E na boca dos meus vizinhos eu era um caso-perdido..."
de onde achamos que não sai nada, e que tudo acontece.
ResponderExcluir