segunda-feira, 4 de agosto de 2014

IARA.


Iara olha para a rua, que está destruída, arrasada por bombas, saques e abandonos... sente vontade de chorar, de gritar por socorro, mas sabe que não será ouvida ou acudida, pois todas as pessoas que estão por perto pouco se importam com o choro, grito ou dor alheios... afinal todos estão tentando desesperadamente se salvar do mesmo inferno - todos também querem gritar, fugir, se esconder... alguns até choram e pedem, em silêncio, que uma bomba caia-sobre-suas-casas ou que soldados apontem armas para suas cabeças e disparem sem demora - afinal a vida em "infernos" não comporta sonhos ou bons desejos, só cabem no sofrimento-extremo vontades não-santas: morrer, matar, se matar... ou, na melhor e mais-cristã possibilidade, fugir! 

Mas, Iara sabe que não conseguirá fugir; não tem força e tudo o que aprendeu sobre sua cidade - onde ficam as ruas, casas de amigos e possíveis abrigos para se esconder - não tem validade, não serve 'para nada, pois tudo está destruído, revirado... não existem mais locais seguros para a vida; e um vento levanta do chão papéis, plásticos... que rodopiam, numa dança estranha; e o simples movimento do ar espalha por toda parte o cheiro (forte) da morte, de corpos (amados) apodrecendo... do esposo e uma filha de Iara.

A mulher sente vontade de chorar, mais uma vez... talvez pela milésima vez, mas está seca... de seus olhos-desesperados não brota sequer uma (única) lágrima. Sozinha no meio da rua, sem ter para onde ir ou a quem pedir ajuda, Iara grita!, e de sua boca sai uma voz rouca (e cansada), que xinga o destino, a vida, as armas e os poderosos... e ela cai no meio de tijolos e pedaços de paredes e telhas.

Iara pega uma pequena bolsa, azul, e tira (de dentro) uma foto da família, "toda"-morta (ela também!), e beija o papel amassado. Sem forças para qualquer outra reação, deita sobre os escombros e olha para o céu... e pede, mais uma vez, que a morte, que teima em deixá-la ali (só, imensamente desamparada!), a encontre logo.

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