sábado, 17 de novembro de 2012

CÁ E LÁ.

Muitas pessoas definiam Paulo como um homem de muitas manias, de poucos amigos e raras palavras. E isso não era uma inverdade, pois, diariamente, quando chegava no trabalho vestia seu "macacão" de mecânico, fazia uma oração, cumprimentava rapidamente as pessoas e se metia-no-trabalho, e só parava para duas coisas: almoçar e ir embora.
Não existia relógio atrasado ou tempo ruim para Paulo - ele nunca se atrasava (e nem chegava adiantado), e falta ao serviço na ficha de trabalho era uma anotação rara; quando falava sobre isso, dona Amélia (a proprietária da oficina) lembrava, vagamente, de um dia... há anos, que Paulo havia faltado - e logo, no dia seguinte, todos ficaram sabendo que o pobre homem tinha ido enterrar o irmão, o único parente que tinha.
O dia de trabalho daquele homem era uma "missa", tinha rituais para começar, acontecer e terminar.
"Seu" Paulo, como todos o conheciam, era um homem dos seus quarenta anos, moreno, forte, que media um metro e setenta e pouco e um rosto bonito, sem exageros.
Na oficina, diariamente seguia um ritual: organizava as ferramentas, conforme o trabalho do dia, e ia se meter-com-coisas-do-interesse, o trabalho!
Ria poucas vezes e, nessas oportunidades a piada, história ou motivo tinha que ser bom, senão "Seu" Paulo continuava trabalhando calado.
Dona Amélia era uma senhora de cinquenta e poucos anos, que "herdara" a oficina do seu marido, que segundo comentários maldosos, tinha se apaixonado e sumido no mundo há anos. Mulher de estatura mediana, pele clara e cabelos sempre penteados, gostava de uma conversa, mas com "limites"! - discutia quase tudo, desde que não fosse de desgraças e mortes e que o assunto não atrapalhasse o bom funcionamento da mecânica. Era uma mulher que falava bem e o suficiente (para alguns chegava a falar e rir muito!), todavia sabia manter uma distância, do tipo mulher-separada-que-se-dá-o-respeito-e-proprietária, tanto dos funcionários quanto dos clientes.
Um dia, logo após o almoço, Paulo foi até o balcão onde dona Amélia trabalhava e pediu para falar. Dona Amélia mandou "Seu" Paulo sentar; ouviu do homem uma explicação pouco comum, tanto em conteúdo quanto em duração. Seu Paulo falava e expressava com as mãos um tanto do que estava sentindo. Por fim, perguntou para a patroa: "- Posso sair mais cedo hoje?"
Dona Amélia não tinha como negar aquele simples pedido a um empregado tão dedicado, assíduo e pontual. "- Vá sim, "seu" Paulo! Mas não deixe de dar notícias!"
Todos na oficina ficaram confusos e curiosos; todos queria saber o que estava acontecendo, afinal "Seu" Paulo nunca tinha feito sequer um pedido para o antigo patrão ou mesmo para a atual patroa e, muito menos, saía mais cedo da oficina mecânica.
Alguns cochichos aqui e ali, até que Noca, apelido do faz-tudo da oficina, perguntou ao "Seu" Paulo o que tinha acontecido.
"Seu" Paulo olhou para o rapaz e falando baixo respondeu que precisava resolver um problema... Noca não estava satisfeito e perguntou mais uma vez: "- Algum problema sério?"
Era evidente que o faz-tudo queria detalhes, queria tirar, arrancar daquele silencioso homem uma explicação. "Seu" Paulo não respondeu, mas Noca, com um movimento de cabeça, insistia numa resposta. "Seu" Paulo ignorou o jovem e saiu, ganhando a rua. Como de costume a roupa estava impecável.
Na rua, longe do trabalho, de dona Amélia, Noca e todos aqueles curiosos, Paulo era um homem diferente - andava com garbo, um sorriso discreto e um belo olhar - um olhar de felicidade.
Tomou uma condução, depois outra e, uma hora depois, acabou saltando em um bairro com ruas estreitas, cada uma cheia de pequenas casas coloridas, a maioria com portas e janelas abertas e pessoas conversando e rindo nas portas e quintais.
Andou por duas ruas, cumprimentou as pessoas, até que parou em frente de uma casa azul, com a porta aberta. Fez uma pose, mais uma e sorriu, olhando para dentro da casa; disse uma ou duas palavras "íntimas" e provocantes para alguém que estava dentro da casa... um instante depois apareceu na porta "seu" Júlio, ex-patrão e ex-marido de dona Amélia - um senhor de uns cinquenta e tantos anos -, que, rindo, puxou Paulo para dentro da pequena casa e fechou a porta.

Um comentário:

  1. Definitivo

    Definitivo, como tudo o que é simples.
    Nossa dor não advém das coisas vividas,
    mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

    Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
    o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
    irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
    do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
    tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que
    gostaríamos de ter compartilhado,
    e não compartilhamos.
    Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

    Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
    as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
    amigo, para nadar, para namorar.

    Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
    momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
    angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

    Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

    Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
    confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
    todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

    Por que sofremos tanto por amor?
    O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
    pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
    companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

    Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
    verso:

    Se iludindo menos e vivendo mais!!!
    A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
    está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
    na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
    sofrimento,perdemos também a felicidade.

    A dor é inevitável.
    O sofrimento é opcional...

    Carlos Drummond de Andrade

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