Nélio chegou cedo em casa e tinha todos os motivos para não olhar no espelho. Também não precisava se preocupar, pois não queria sequer ver um espelho pela frente.
Mentalmente foi mapeando a casa e evitou todos os espelhos que lembrou; até mesmo o da sala, o primeiro e o mais difícil de driblar, Nélio evitou com o olhar e assim caminhou até o quarto, onde pegou roupa e foi pro banho.
Silvia estava na cozinha e ouviu a chegada do companheiro. Sem entender o motivo da chegada de Nélio, naquele horário, ela andou pela casa (que não era pequena) à procura do companheiro e encontrou o banheiro trancado; achou estranho tal atitude, mas procurou manter a calma e pensou que a porta trancada era apenas uma cisma.
Nélio sentou no vaso sanitário e chorou. Chorou como uma criança; soluços e lágrimas disputavam por Nélio. As mãos no rosto tentavam abafar o som do choro e dos soluços.
Silvia ouviu um som estranho vindo do banheiro, vindo de Nélio. Encostou o ouvido esquerdo na porta e entendeu que era um choro. Um grande susto tomou Silvia. Em quatro anos e meio nunca, nunca tinha ouvido sequer um gemido do companheiro - era um homem jovem e forte; nunca tinha adoecido... nunca tinha entrado num hospital para se consultar.
Nélio sentiu a presença de Silvia no outro lado da porta. O segredo descoberto se misturou à vergonha e isso aumentou o choro e as tentativas de manter 'o silêncio'.
Silvia não suportou aquela situação - bateu levemente na porta e pediu para Nélio abrir. Nada! As batidas leves se tornaram brutas e agitadas, sem ritmo, afoitas... Silvia tinha decido entrar naquele banheiro a qualquer custo; do outro lado da porta, Nélio decidiu evitar a entrada da companheira e enquanto segurava a porta, aos prantos, evitava o espelho.
Silvia entrou em desespero - sabia que aquela entrada, naquela hora, daquela forma tinha algo de muito estranho - e queria saber o que estava acontecendo com Nélio. A voz de Silvia era ouvida em toda a casa ("Nélio, abre essa porta agora... por favor... por favor...!"), mas mesmo assim o companheiro mantinha a porta trancada.
Dentro do banheiro, em pé, junto à porta e totalmente desesperado Nélio pega no bolso da calça um pequeno envelope branco e dele retira um papel dobrado. Aos prantos e barrando a porta, Nélio corta com a mão o papel e coloca pedaço-por-pedaço na boca e, com muito custo, vai engolindo seu motivo de profunda tristeza.
Silvia desiste de bater; agora chora mais que o companheiro, sentada à porta do banheiro.
Silvia chorava e pensava: "Meu Deus! Agora ele já sabe de TUDO!"
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