domingo, 20 de dezembro de 2015

TRINTA E DOIS ANOS EM UMA MALA AZUL.


Nada tinha mudado na vida de Manoel, nem os móveis do pequeno quarto. 
Ali estavam a cama, a pequena mesa com a luminária e o quarda-roupas de duas portas. 
Pela janela, sempre entreaberta, entrava um pouco de luz e o som do canto de pássaros.
Foi dessa janela que Manoel viu os últimos trinta e dois anos passarem ("Os dias, meses, anos... voaram!", pensou).
Manoel sentou na beira da cama, ajeitou o travesseiro e a coberta, como quem ajeita a roupa de uma criança para sair. Olha o quarto mais uma vez, mais devagar e pensa: "Minha casa!"; os olhos enchem de lágrimas. Levanta, sem fazer barulho, vai até o guarda-roupas, abre a porta e pega uma mala nova, azul. Olha para a mala e balança a cabeça ("Que cor medonha!"); anda devagar até a porta, carregando a mala azul-medonha e, antes de sair, acena para a cama, a mesa, o guarda-roupas e para a janela. Num movimento de extrema saudade, leva a mão à boca e lança um beijo para 'todos' (tão amigos, íntimos...).
Desce devagar as escadas e encontra a filha, Judite, que arruma a camisa do pai e fala sem parar: "Que linda a sua nova mala!"
Manoel não tem coragem, na verdade não tem ânimo para nada, muito menos para falar a verdade. 
Judite olha para o pai e continua: "Pai, não fica assim! O senhor vai morar com Silvio! A casa dele é maior... seu quarto novo é lindo! Eu já vi as fotos pela Internet. E no natal nós vamos para lá! Vai... pai! Melhora essa cara! Anda! Vamos que o vôo sai em uma hora!".

(06 DE SETEMBRO DE 2015)

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